domingo, 21 de abril de 2024

The Last of Us (2023 - ?)


Fiquei decepcionada com esta série. “The Last of Us” é a adaptação de um jogo de vídeo num mundo pós-apocalíptico. O que causou o apocalipse foi um fungo mutante que começou a infectar seres humanos, controlando-lhes o cérebro e tornando-os agressivos de modo a contagiarem o máximo de pessoas possível (é-nos dito no prólogo que isto acontece na natureza, mas não em seres humanos). Chamam-lhes Infectados mas na verdade são mais “colonizados”, e comportam-se como uma mente única, a do fungo, que inclusivamente tem tentáculos subterrâneos que os controlam como uma só unidade. No entanto, embora se assemelhem a zombies, estes Infectados não o são e o próprio fungo acaba por matá-los mais tarde ou mais cedo.
Devo avisar que algumas imagens de Infectados são imensamente repugnantes. O fungo aloja-se dentro do hospedeiro mas acaba por sair para fora. Numa das cenas, uma professora universitária de Micologia está a fazer uma autópsia a um deles e, ao abrir uma incisão no cadáver, o interior do corpo é só fungo. A professora fugiu disparada da sala de autópsias e eu até fiquei com comichões e com os pêlos dos braços em pé de tanto nojo. Na verdade, acredito que “The Last of Us” podia ter feito os Infectados ainda mais repulsivos (alguns fungos são bastante repelentes) mas se calhar recearam que as pessoas não conseguissem ver a série devido à reacção física de repugnância.
Com este cenário, pensei que talvez “The Last of Us” viesse a preencher o vazio deixado por “The Walking Dead”, mas isso não aconteceu por várias razões. Uma das maiores é a notória falta de Infectados. Enquanto que em “The Walking Dead” tínhamos zombies em quase todos os episódios, aqui, por alguma razão, em 9 episódios só existem 3 ou 4 confrontos com Infectados. Terá sido falta de orçamento ou uma aposta maior no drama entre os personagens? Não tenho nada contra séries dramáticas, antes pelo contrário, mas se toda a história gira em torno dos Infectados não deveríamos vê-los mais vezes?
Voltando ao enredo, vinte anos depois do início da pandemia a sociedade organizou-se numa ditadura militar dentro de centros fortemente vigiados chamados Zonas de Quarentena. As pessoas vivem mal, tendo de trocar trabalho por rações. Existe uma Resistência bastante activa mas não consegue grandes resultados. Joel, um homem de 56 anos que perdeu a filha adolescente no início da pandemia, é um deles e vive na Zona de Quarentena de Boston. Joel também trabalha, mas é mais para disfarçar a actividade de contrabandista que comporta risco de execução sumária.
Acidentalmente, a Resistência encontra uma adolescente muito especial, Ellie, que parece ser imune ao fungo. Na sequência de um ataque imprevisto, a líder da Resistência incumbe Joel (a troco de contrapartidas) de acompanhar Ellie em segurança até às instalações médicas onde, têm a certeza, Ellie será fulcral para desenvolver uma vacina ou uma cura. É este o enredo: Joel e Ellie têm de atravessar o país enfrentando Infectados, salteadores, militares, rebeliões e até fanáticos religiosos canibais (o episódio dos canibais foi o melhor).
Como acontece sempre neste tipo de história, a princípio Joel encara Ellie como mais um “trabalho”, uma mercadoria a transportar, mas obviamente o seu instinto protector e a culpa por não ter conseguido salvar a vida da filha começam a vir ao de cima e Joel acaba por desenvolver um sentimento paternal para com Ellie. Ellie, em princípio à defesa e relutante em confiar, acaba por se afeiçoar também a Joel como ao pai que nunca teve (como em “The Witcher”, na verdade, só para citar um caso em milhentos). É nesta relação que se baseia o fundo dramático da história, que acaba por suplantar os elementos pós-apocalípticos da premissa.
Agora, as razões do meu desapontamento. Para além do exíguo número de Infectados que Joel e Ellie encontram pelo caminho (e esta queixa não é só minha), o que mais me afastou da série foi mesmo a miúda (e a queixa também não é só minha). Não tenho nada contra a actriz Bella Ramsey, pelo contrário, adorei-a como Lyanna Mormont em “Guerra dos Tronos”, mas Ellie é uma miúda embirrante, armada em boa, com 14 anos mas mentalidade de 12, inculta, tem acesso a livros mas os seus preferidos são uma compilação de trocadilhos sem piada nenhuma e uma banda desenhada do mais básico possível que só um miúdo de 8 anos partilha com ela (já nem falo do “auge” da vida dela que foi jogar Mortal Kombat), e ainda por cima acha-se muito engraçada. Ainda me irrita mais quando outros personagens dizem que ela é engraçada (não é) e que tem capacidades de liderança (eu não vi nada, qual liderança, a miúda segue Joel como um cachorrinho atrás do dono). Enfim, detestei-a. Preferia muito mais que a protagonista fosse a filha de Joel, essa sim, uma personagem empática, mas infelizmente tiveram de a matar logo a princípio.
Outra coisa que me desagradou na série foram os episódios filler, isto é, de encher chouriços. Sem nunca ter visto o jogo à frente (nem vi nem quero ver) fiquei com a impressão de que não havia enredo que chegasse e tiveram de arranjar maneira de esticar a massa. Um dos exemplos mais flagrantes é logo o terceiro episódio (de uma hora e vinte minutos!) que é o flashback da relação entre Bill e Frank. Bill é um survivalista quarentão que aparentemente não sabe que é homossexual quando conhece Frank, já depois do apocalipse. Apaixonam-se, vivem felizes e envelhecem juntos apesar de tudo o que se passa no mundo. É um episódio muito bonito, muito romântico, muito comovente, mas eu tive a sensação de que estava a ver outro filme. Bill e Frank nem nunca se cruzam com Joel e Elllie e o episódio não faz nada para avançar o enredo. Quando estava a ver pensei que Bill e Frank deviam ser muito importantes para o jogo para terem direito a tanto destaque e tão pormenorizado, mas ao ler as críticas percebi que (mais uma vez) a queixa não era só minha. Frank e Bill só têm importância marginal para o enredo em geral, não são personagens assim tão relevantes. Mas não é caso único. Novo episódio, novos personagens, novo sub-plot, morrem todos, novo episódio. E a série vai assim até ao fim. Tendo em conta que são apenas 9 episódios, esperava-se uma história mais coesa e focada nos protagonistas. Isto nem vai parecer eu a falar, mas realmente faltaram Infectados e confrontos a dificultar a vida a Joel e Ellie. Os adversários que eles encontraram, em vez disso, foram outros humanos, alguns muito monstruosos, é verdade, mas isto devia ser uma série sobre um fungo que infecta humanos e não sobre a monstruosidade humana em geral. Um título mais apropriado para o drama realmente retratado na história devia ter sido “Joel e a Filha Perdida”.
E ainda outra coisa que me irritou bastante na série: ao fim de 20 anos aquelas alminhas ainda não aprenderam que a maneira mais eficiente de matar um Infectado é o inescapável tiro na cabeça (até porque é lá que o fungo se aloja e de onde controla o hospedeiro). Foi tanta a munição desperdiçada ao desbarato que se Daryl Dixon ou Carol ou até a pequena Judith vissem aquilo abanavam a cabeça em desdém: “Amadores!”
Não detestei a série mas esperava muito melhor e um enredo mais baseado na premissa. É sobre humanos controlados por fungos. O drama pode ficar à mesma, mas mostrem-nos os fungos, bolas!
Pelo menos assistimos a 15 minutos do desagregar da sociedade antes do salto temporal de vinte anos para a frente, o que eu gosto sempre de ver, mas ainda não foi desta que fiquei satisfeita. Quando é que nos vão mostrar a sociedade a desagregar-se como deve ser?

PS: Já depois de escrever o artigo, para não morrer estúpida, fui espreitar um stream do jogo, que por acaso estava precisamente na parte mais emocionante do episódio dos canibais. Não tive paciência para ver mais de um minuto. Definitivamente, não gosto de jogos.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: The Walking Dead, zombies, Young Adult, mundos pós-apocalípticos, distopia


terça-feira, 16 de abril de 2024

The Call / A Chamada (2013)

Jordan, uma operadora do 911 (linha de emergência como o 112) recebe uma chamada de uma adolescente que tem um intruso em casa, e comete um erro. Em resultado disso, a adolescente é raptada e encontrada morta.
Durante muito tempo, traumatizada com a experiência, Jordan deixa de atender chamadas e passa a ser formadora de novos operadores. Até ao dia em que uma novata recebe uma chamada semelhante. Em pânico, a principiante passa a chamada a Jordan, que por alguns indícios percebe que está a falar com o mesmo serial killer. Jordan tem de ultrapassar a insegurança e a culpa para salvar esta outra adolescente que o homem já transporta na mala do carro. A cada momento do filme, principalmente quando o raptor se apercebe do telefonema, adivinha-se outra tragédia.
“The Call” é um thriller que recordará a muitos de “Psycho” e, principalmente, de “O Silêncio dos Inocentes”. Mas o que gostei mais, admito, é como se mostra os bastidores de um call centre de elevado stress, em que cada decisão pode significar vida ou morte. Neste aspecto, o filme faz tudo o que tem de fazer. Recomendo vivamente.

14 em 20


domingo, 14 de abril de 2024

Deep Rising / O Barco do Inferno (1998)


Quem não gosta de um bom desastre num navio de luxo? (Quem disse que não está a mentir.)
Meia dúzia de mercenários têm por missão assaltar um cruzeiro, mas quando lá chegam este já tinha sido atacado por monstros marinhos e todos os passageiros tinham desaparecido. Quem é que não gosta de um navio-fantasma? (Quem disse que não também está a mentir.) Agora os mercenários têm de fugir aos monstros marinhos, se conseguirem.
Duas coisas engraçadas neste filme. Os assaltantes têm um “homem infiltrado” que procede à sabotagem do computador de bordo com três CD-Roms. Mais engraçado só se fossem disquetes.
A outra coisa engraçada foi quando alguém disse que o único mecânico de bordo era “dispensável”. Não sei quem é que teve a ideia deste diálogo desastrado, porque como o próprio filme demonstra o único mecânico de bordo é quem consegue fazer as reparações quando elas são necessárias.
“Deep Rising” é na sua essência um filme de terror, com o número obrigatório de monstros e mortes pavorosas (com os efeitos especiais possíveis à altura), mas possui o bastante de acção, os comic reliefs suficientes e até uns pozinhos de romance para poder ser visto em família desde que todos tenham mais de 10 anos.
Este é daqueles filmes que tem tudo para agradar e entreter e não chocar. Nada de original, tudo já testado e experimentado.
Parece-me que o final se destinava a preparar uma sequela tipo King Kong. Desconheço se foi feita e espero mesmo que a ideia não tenha passado do papel.

12 em 20

domingo, 7 de abril de 2024

The Fall of the House of Usher (2023)

Roderick Usher é um homem acabado, com uma doença incurável que causa demência, alucinações e morte. Nos últimos 15 dias enterrou os seis únicos filhos, todos mortos em circunstâncias horríveis. Quase tínhamos pena de Roderick se não soubéssemos que este mesmo homem é o dono de um império farmacêutico, as indústrias Fortunato, responsável por vender um analgésico altamente viciante (um opióide) garantindo que é inócuo e causando milhões de dependentes de heroína em todo o mundo com as mortes consequentes. Roderick sempre soube que estava a vender uma droga perigosíssima e os efeitos que esta causava, pensando apenas no lucro. Todos os elementos da família, desde a irmã de Roderick, Madeline, aos seus filhos, estão a par da situação e não se importam de viver como bilionários à custa do sofrimento dos outros. Finalmente a Fortunato é levada a tribunal com provas substanciais pelo Procurador Auguste Dupin e uma condenação é iminente.
É exactamente a Auguste Dupin que Roderick convida uma noite à sua casa de infância, prometendo-lhe uma confissão completa. Roderick assegura a Dupin que as mortes dos seus filhos estão relacionadas e que ele, Roderick, é responsável por todas elas. Dupin, que conhece Roderick há 40 anos e que acha que não há um único Usher “bom”, pensa que Roderick está apenas a sentir-se culpado uma vez que todas as mortes foram investigadas e não existe relação entre elas. Roderick volta a insistir que há e passa a prová-lo.
“The Fall of the House of Usher”, como o nome indica, é uma série genial que reúne vários trabalhos de Edgar Allan Poe em torno da história da família Usher, o que obrigou a algumas adaptações perfeitamente compreensíveis. Cada um dos episódios é dedicado a um dos membros da família Usher e tem o nome de uma das obras de Poe, mas não vou explicar muito sobre isto por causa dos spoilers.
Quanto às mortes, digo apenas duas coisas:
1) não matem o gato preto do vosso namorado; dá muito azar. Aliás, não matem gato nenhum, dá sempre azar.
2) se acham que ter um espelho por cima da cama é sexy, um dos episódios vai de certeza fazer com que reconsiderem.
Estou a fazer humor mas não há nada de engraçado no que acontece aos membros da família Usher, e quase todos o merecem excepto a jovem Lenore. Quando se diz que o final deles é horrível não é um eufemismo e esta não é série para pessoas impressionáveis (mas tendo em conta que é inspirada em Edgar Allan Poe não era de esperar outra coisa).
Sem querer mesmo entrar em spoilers, existe de facto uma mulher misteriosa que persegue cada um dos Ushers antes da morte. A princípio não percebi o que ela era, se anjo vingador ou apenas demónio. Esta mulher apresenta-se a Roderick como Verna (um anagrama de Raven), e aparece a todos os seus filhos com uma identidade diferente, aparentemente tentando levá-los a tomar uma boa decisão e a castigá-los quando eles persistem em agir mal (todos os Ushers agem mal porque são privilegiados, prepotentes e egoístas). Mais tarde percebemos que esta entidade é ao que Arthur Gordon Pym (advogado e capanga dos Ushers) chama um demónio num sentido mais lovecraftiano.
[Neste caso é o contrário, uma vez que Lovecraft se inspirou em Poe, mas foi Lovecraft quem explorou o conceito da sua forma única e inconfundível, de tal forma que quando se fala em lugares e seres sobrenaturais “fora do tempo e do espaço” pensamos logo nele, enquanto que Poe ficou mais conhecido pela sua poesia lúgubre, funesta e desoladora.]
Episódio a episódio, vamos descobrindo o papel de Roderick e Madeline Usher na destruição do seu próprio império e linhagem. Ambiciosos, gananciosos e sem escrúpulos, são os candidatos perfeitos para um pacto com The Raven.
Apesar da antiguidade dos originais, “The Fall of the House of Usher” aborda temas modernos. Tenho para mim que a droga Ligodone vendida pela farmacêutica Fortunato é uma referência a uma droga muito real e adictiva, a Oxicodone, que os americanos tomam por tudo e por nada (e ficam dependentes). A certa altura há um toque de humor quando Verna diz que prometeu a um dos seus “clientes” que podia até dar um tiro a alguém na 5ª Avenida sem que lhe acontecesse nada. Foi engraçado.
Esta foi uma das melhores séries que vi nos últimos tempos e só lamento não poder revelar mais pormenores para evitar spoilers. É também uma excelente introdução à obra de Poe para quem não a conhece. A estes recomendo o meu conto preferido, “O Poço e o Pêndulo”, e, claro, o poema “The Raven”.
Deixo ainda um grande elogio à actriz Carla Gugino (Verna / The Raven) que também já tinha feito o papel de Olivia Crain em “The Haunting of Hill House”. Tal como Vera Farmiga, ambas têm aquela beleza e sensualidade quase maternal de mulheres mais velhas, ambas belas e por isso ainda mais perigosas. Por onde andou esta actriz durante toda a minha vida? Adoro-a, e nesta série ela brilha acima de todos.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: quantas vezes for possível aguentar vê-la

PARA QUEM GOSTA DE: Edgar Allan Poe, terror

 

terça-feira, 2 de abril de 2024

Witch Hunt / Caça às Bruxas (2021)

Numa América dos nossos dias onde a bruxaria é ilegal e as bruxas sofrem pena de morte, uma adolescente tem de decidir de que lado está.
“Witch Hunt” é muito melhor do que devia ser, nem que seja pela tentação despropositada de lhe meter “sustos” à filme de terror, quando o terror aqui é a perseguição e a execução sumária (inclusive na fogueira) de mulheres inocentes só porque fazem magia. Sim, a magia é sobrenatural, mas isto só funcionaria se o filme mostrasse uma bruxa que usasse a magia para fazer o mal. Como as bruxas são representadas como inofensivas, o que nos incomoda é uma perseguição implacável a lembrar os piores regimes totalitários de que há memória onde as minorias são exterminadas. Por exemplo, nesta sociedade faz-se mesmo o teste da água: todas as jovens de certa idade são imersas numa piscina: se flutuarem é porque são bruxas. Pelo menos aqui, ao contrário de outros tempos, as raparigas estão atadas a uma cadeira mas têm direito a um tubo de oxigénio. Mesmo assim, algumas entram em pânico e afogam-se. Nenhuma flutua. São estes os momentos de terror, os momentos de fanatismo absurdo.
Mas “Witch Hunt” conta com um trunfo, a actriz Elizabeth Mitchell (a Juliet de “Lost”), que é a mãe da adolescente em causa e faz parte de uma Resistência para ajudar as mulheres acusadas a fugir do país. Elizabeth Mitchell ilumina o écran no momento em que aparece. (Por exemplo, quando diz a uma vizinha que na sua opinião “até deviam ter construído um muro mais alto”, é uma piada política que nem parece cómica.) Assim que vemos a Juliet de “Lost” pensamos logo que ela vai salvar tudo porque é uma durona. Mas salvará mesmo?
Uma das dicas que nos é dada é o apelido da miúda (muito óbvio para quem sabe alguma coisa dos julgamentos de Salem). Outra é o fascínio de algumas raparigas pelo filme “Thelma & Louise”. O próprio final quer fazer uma homenagem a este clássico (à mistura com ”Harry Potter”, não sei), mas não correu muito bem.
As verdadeiras cenas de tensão são aquelas tiradas da vida real, em que pessoas perseguidas são transportadas às escondidas na mala do carro e aparece alguém que o manda parar. São bruxas, mas podiam ser judeus, ou outra minoria qualquer a fugir ao extermínio.

13 em 20 (porque o fim não esteve à altura da premissa)

 

domingo, 31 de março de 2024

Transcendence / Transcendence: A Nova Inteligência (2014)


Tive de ver este filme duas vezes para perceber porque é que não gostei. A própria premissa não é original: um cientista que tenta fazer com que o seu intelecto sobreviva à morte. Lembro-me de um filme da série B em que tinham o cérebro de um cientista preservado numa redoma a comunicar através de um microfone. Esta é uma história que vem desde… Frankenstein? E só estou a pensar nas histórias modernas. Antes da electricidade e da ciência era tudo explicado com fantasmas.
Em “Transcendence” um casal de cientistas (Will e Evelyn Caster) e um amigo (Max Waters) estão a trabalhar no desenvolvimento de uma Inteligência Artificial quando um grupo de terroristas tenta assassinar Will, bem como a outros pesquisadores de Inteligência Artificial, porque a julgam perigosa. A princípio parece que não conseguem matar Will, mas este foi atingido por uma bala com polónio, o que significa que vai morrer de radiação.
Entretanto, Evelyn tem a ideia de fazer o upload da consciência de Will para um computador antes que ele morra (algo que já teria sido conseguido com a consciência de um macaco). Will aceita. Quando morre, a consciência na máquina, a que eu vou chamar Programa Will, acorda e imediatamente pede acesso à internet e às Bolsas. O primeiro a expressar dúvidas é o amigo Max: “Mas será que é mesmo ele?” Evelyn, a viúva, não tem dúvidas. É mesmo Will.
Mas Will corre perigo de vida (ou, neste caso, de ser destruído por terroristas), por isso convence Evelyn a instalar-se numa cidade quase fantasma onde não há quase nada nem ninguém de modo a construírem ali uma base de segurança.
Não é fácil escrever o resumo do filme porque este é longo (ou assim parece) e cheio de reviravoltas. Dois anos depois, o “casal” conseguiu montar um laboratório informático onde desenvolve experiências com nanotecnologia. Quando um dos trabalhadores é assaltado e espancado e fica às portas da morte, os nanitos salvam-lhe a vida. Mas não é só o que fazem. Também lhe dão uma força sobre-humana e, e aqui é que as coisas começam a dar para o torto, ligam-no ao Programa Will numa espécie de “consciência de colmeia”. Este trabalhador, de seguida, apresenta-se a Evelyn como Will, que lhe diz que agora já encontrou “uma maneira de lhe tocar”. Evelyn fica horrorizada, e é de ficar, mas permanece no laboratório. As imagens na internet da recuperação milagrosa do trabalhador atraem às instalações um corrupio de paralíticos, cegos e doentes incuráveis, todos eles no desejo de serem curados, e todos eles passando a pertencer à mesma “consciência de colmeia” a que o Programa Will chama Híbridos. O governo americano começa a pensar que Will está a criar um exército e decide destruir as instalações, nem que tenha de desligar completamente a internet para que o Programa Will não consiga escapar para outro lado.
No meio disto tudo, o filme também é uma história de amor. A princípio não percebi o que me alienou, mas nem sequer foi a pseudo-ciência. Foi a quantidade de vezes que Evelyn se virou contra o “marido”, e cinco minutos depois o defendeu, e logo a seguir se virou contra ele outra vez, e o defendeu outra vez… É caso de não perceber o que é que ela queria afinal. Nada me desagrada mais do que motivações incoerentes numa personagem, e acabei o filme sem compreender o que ela esperava daquelas experiências (que apoiou e em que participou), ou do próprio casamento. Da mesma forma, também não percebi muito bem se Will queria mesmo curar as pessoas e o planeta, ou se isso era apenas o início para dominar o mundo. Obviamente, como Programa, Will esqueceu que entrar na cabeça de alguém e modificá-la sem pedir autorização viola o livre-arbítrio dessa pessoa. Isto é agir sem escrúpulos, por muito boas intenções que se tenham.
Aconselho outras pessoas a verem por si e tecerem as suas próprias opiniões, porque a minha é muito má.

11 em 20

domingo, 24 de março de 2024

The Walking Dead: Dead City (2023 - ?)


Muito era esperado deste spin-off que confronta Maggie e Negan de “The Walking Dead”. Algumas críticas acreditam que o conflito entre os dois (a morte à cacetada de Glenn) ficou superado na série original. Eu nunca fui dessa opinião. Negan decide afastar-se da gente de Alexandria/Hilltop/etc exactamente por saber que um dia Maggie vai acabar por matá-lo. Maggie tenta interiorizar o facto de que Negan passou anos preso em Alexandria a pagar pelo seu crime, mas Maggie não estava lá para ver (porque a actriz Lauren Cohan estava a fazer outro programa). Desta forma, embora na última temporada tenham sido obrigados a trabalhar juntos, o conflito entre Maggie e Negan está longe de resolvido (se é que alguma vez poderá estar).
Passaram-se alguns anos desde o final de “The Walking Dead”. Existe uma nova Federação de Estados chamada New Babylon em que se aplica Lei & Ordem. Maggie e as pessoas de Hilltop tiveram de se mudar para outra localização depois do incêndio causado pelos Whisperers (não percebi se a comunidade de Maggie faz parte de New Babylon ou não). Hershel, o filho de Maggie e Glenn, é agora um adolescente na fase rebelde que responde mal à mãe (como é normal). Mas parece que a sociedade está menos caótica em geral. Até têm bares com álcool, jogo e prostituição. Fiquei surpreendida mas achei interessante. Se é fascinante ver a sociedade desagregar-se também é interessante vê-la voltar ao normal.
No final da série original, Negan tinha uma esposa e um filho a caminho, mas não se encontra com eles porque, como sempre, Negan está metido em sarilhos. É procurado pelos delegados de New Babylon pelo homicídio de 5 homens (mas depois percebemos que teve grandes razões para fazer o que fez). Maggie descobre-o escondido num motel (já têm motéis outra vez) para o obrigar a ajudá-la. A comunidade de Maggie foi atacada por um antigo parceiro de Negan dos tempos do Santuário, chamado o Croata (a quem Negan apelida de “o filho da puta mais demente que já conheci”), que lhes roubou todo o grão, levou Hershel como refém, e ameaçou regressar frequentemente para lhes levar a produção agrícola. Maggie quer a ajuda de Negan porque este conhece o Croata, e porque Negan “lhe deve”, além de andar fugido e já não ter muitos sítios onde se esconder. O problema é que o tal Croata levou Hershel para a ilha de Manhattan, um dos locais mais perigosos da América. Acredito que Negan só tenha aceitado por causa de Hershel, porque tem a tal “dívida”.
Perseguidos pelos delegados de New Babylon, Negan e Maggie chegam de barco a Manhattan. Manhattan está particularmente devastada porque foi um dos epicentros do apocalipse zombie. Numa tentativa de conter a epidemia, os militares destruíram as pontes e os túneis, deixando as pessoas abandonadas à sua sorte. Manhatan é agora um deserto negligenciado de prédios semi-destruídos e vegetação, hordas de zombies pelas avenidas, esgotos cheios de mortos e veados a pastar nas ruas. É neste cenário de ficção-científica (desolador, mas não é a bela França) que Negan e Maggie têm de procurar onde se esconde o Croata, o que vão descobrir mais depressa do que pensavam graças à ajuda de sobreviventes originais de Manhattan. No entanto, Maggie não está a ser tão honesta como parece…
Durante a aventura em Manhattan, Maggie fica a conhecer facetas de Negan que não julgava existirem. Por outro lado, Negan parece reconhecer o monstro que existe dentro de si e que ele não quer ver de volta à luz do dia.
“The Walking Dead: Dead City” é um bom spin-off, com mais originalidade e tensão do que a série original nos últimos tempos (o que não seria difícil). O último episódio promete uma sequela, uma vez que Maggie admite que está na altura de resolver a questão de Negan de uma vez por todas. Aconselho a todos os fãs de “The Walking Dead” e, depois de ver dois spin-offs, estou surpreendida pela qualidade que já não esperava tendo em conta como a série original acabou a arrastar-se.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: The Walking Dead, zombies

 

terça-feira, 19 de março de 2024

12 Years a Slave / 12 Anos Escravo (2013)


Por alguma razão, este filme não teve em mim o impacto que devia ter tido. A história é baseada em factos verídicos. Um homem negro de Nova Iorque, Solomon Northup, nascido livre, é raptado e forçado a viver em escravidão na Luisiana durante doze anos até conseguir ser libertado e voltar a casa. As suas memórias foram registadas em livro.
O filme claramente quer mostrar-nos o que foi a escravatura no sul dos Estados Unidos. Acontece que nada disto é novidade para mim, como o deve ter sido para outros espectadores. Cresci com a telenovela brasileira “A Escrava Isaura” e assisti ao soberbo “Raízes” (“Roots”). Em vários filmes e séries do género já assisti a tudo o que vi aqui e pior. (Até em “Outlander”, imagine-se.) Logo, não houve factor novidade. Conheço estas atrocidades todas.
O que faltou? O filme quer mostrar-nos o que era a escravatura, mas nunca nos mostra quem é de facto Solomon Northup. Sim, é um homem decente, sabemos que quer sobreviver e escapar e regressar para a sua família (quem não quereria?), mas tudo isto é demasiado genérico e bidimensional. Solomon Northup não é um personagem em si próprio; é um símbolo. Muitas vezes dei por mim a pensar antes em “The Handmaid’s Tale”, que estava a ver na altura, e em como em narrativas semelhantes (as Servas são forçadas à escravidão pela violência) as personagens são tão bem desenvolvidas.
E depois temos a aparição deus ex machina de Bratt Pitt, qual anjo salvador, que só ali está para ajudar Solomon, finalmente.
Ou seja, o filme adquire uma tonalidade quase panfletária em vez de contar a história do homem de carne e osso que foi Solomon Northup. Exemplo disto é que só lhe vemos a família no princípio e no fim. Se calhar o objectivo do filme era mesmo que não olhássemos para o homem mas antes para os horrores da escravatura. Se era isso, objectivo conseguido, mas podia-se conseguir melhor.

13 em 20

domingo, 17 de março de 2024

The Prodigy / O Prodígio (2019)

Uma mãe descobre que o seu filho, uma criança-prodígio, está possuído pela entidade falecida de um serial killer.
Este é mais um filme do tipo “creepy kid” com todos os clichés que vêm com isso desde “O Exorcista”. É curioso que o filme insiste que não é possessão mas reencarnação (a alma do falecido “entrou” no recém-nascido para terminar assuntos pendentes) mas, lamento, a reencarnação não é nada disto. Isto é possessão e não lhe chamarei outra coisa.
À medida que o miúdo cresce mais se manifesta a personalidade manipuladora e perigosa do serial killer. A grande questão do filme é saber o que uma mãe é capaz de fazer para salvar o filho, e esta mãe está disposta a quase tudo. Mas conseguirá cumprir o último desejo do serial killer?
“O Prodígio” é um filme mediano que faz tudo o que tem de fazer dentro do género. Pese embora a falta de originalidade, agradará aos espectadores que já sabem com o que podem contar.

12 em 20


terça-feira, 12 de março de 2024

Insidious / Insidioso (2010)


Alguns filmes podem ser resumidos por fórmulas. “Insidious” seria [família em crise muda-se para casa nova] + [criança possuída] e os amantes de terror já sabem tudo o que esperar daqui. Mas vamos lá ao resumo propriamente dito.
Uma família em crise, com três filhos pequenos, muda-se para uma casa nova para recomeçar. Logo numa das primeiras noites, o filho mais velho sobe ao sótão e cai de uma escada. No outro dia não acorda: está num coma que os médicos não conseguem explicar. O filho do meio tem medo de estar sozinho no quarto, e muito depressa também a mãe começa a ter visões de espectros à volta do quarto do filho em coma.
Pensando que a casa está assombrada, convence o marido a mudar de casa, e assim fazem. (O que não acontece muitas vezes neste tipo de filmes, note-se.) Só que na casa nova as manifestações sobrenaturais continuam, o que demonstra que não era a casa que estava assombrada, é a família! (Reviravolta original, admito.)
Entra mais um elemento na fórmula: [caça-fantasmas]! Não estavam à espera desta, pois não? Eu confesso que não estava. Pensei mesmo que os caça-fantasmas e os seus aparelhómetros (que parecem mais uma coisa de “Sobrenatural” mas ainda menos profissional) eram apenas um comic relief temporário. Mas depois chamam mesmo uma vidente-exorcista.
A partir daqui o filme torna-se histérico, exactamente o contrário de insidioso, subtil. Aparecem fantasmas e demónios de todo o lado. As luzes piscam e rebentam. O costume. Eu desatei a rir quando mostraram os cascos do demónio. (Mais um à imagem do deus Pan, coitado, que não tem culpa nenhuma.) Foi assim, desatei-me mesmo a rir! E não há nada pior num filme de terror do que pôr os espectadores a rir.
E assim continuou. Os caça-fantasmas ficaram até ao fim a fazer-me rir, e nunca mais parou. Pena, porque a coisa ia bem. Onde é que o filme falhou? Fórmula demasiado comprida: [família em crise muda-se para casa nova] + [criança possuída] + [caça-fantasmas]. Quiseram meter tudo e mais alguma coisa num filme que se anunciava “insidioso” e que se tornou “excessivo”.
Fica a parte boa e a parte em que me ri.
Ah! E vejam os créditos finais até ao fim para mais uma gargalhada!

12 em 20